domingo, 14 de dezembro de 2008

Estiagem

O beijo se desfez.
De resto sobrou apenas
Um pano bordado
E a cor da chita
Se espalhando por toda a casa,
Um mosaico encantado
E um canto nostálgico
Pulando do pé de juazeiro
Angico ligeiro, que dirá desse
Amor que acabou?
Que vento passou por aqui
Que derrubou o velho umbuzeiro?
E esse azedume que levou
Todo o doce de todo mel
Dessa última safra
Quem chorou no fim do inverno?
Quem disse adeus?
E a roupa dele, quem lavará?
Quem fará as costuras
Que estão faltando na velha roupa?
Ela, que já se acostumara com a lágrima
O viu chorar
A zabelê de olhos anil se cansou da fuga
Cessou o cantar
E agora, entorta as costuras
A outra, com lábios corrosivos,
Corroeu o que ainda restava desse amor
O beijo se desfez, as bocas estão bordadas.

Edilberto Vilanova

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Lua Godiva

Lady Godiva, cavalga no céu
Sob os olhos de ninguém
É a lua em pelo, a pele pálida
A transpirar desejo no espaço
Exalando perfume do enlace de sexos
A Lua, nua, a lamber o céu
Espaira-se a espreita de olhos famintos
Aos quais possa cegar

Vivaldo Simão

Haicai dos Frêmitos Noturnos

Correm livremente
O vento e as folhas mortas,
A noite é plangente.

Rogério Freitas

Funcionário público

Meu Negócio

É o ócio!!!

Edilberto Vilanova

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Madrugada em pelo

Sob o olhar penetrante da Lua
A cidade sinuosa
Se insi'NUA

Vivaldo Simão

Efeito estufa

Vorazes e alheias ao corpo
Balas de metal cortam a avenida
Criam um mar sobre nossas cabeças
E um túmulo sobre nossos pés

No asfalto, pequenas flores murchas
Termicamente invertidas, agonizam
Sobrevivem aos tragos de minerais e gáses enfurecidos

É o desatino exato da prole do inseto
Que formula seu próprio inceticida

Acedam incensos para a morte
Que na metrópole ninguém chora
Ou será que ninguém ama?

Estamos no fim dos tempos
É a evasão total do amor
Uma vez província sempre província
A louca da esquina queria saber
Porque o jornaleiro se matou
Será que nos jornais não há mais palavras de amor?

Acedam incensos para morte que na metrópole ninguém chora

Tumulto!
Abalou-se a avenida central
O que foi?
Foi suicídio
Ele envenenou-se com fumaça
E morreu asfixiado

Automóveis movem a morte
Há árvores mortas na calçada
Há canções mortas seguindo o cortejo
Há jornais sobre o corpo do jornaleiro

Edilberto Vilanova

domingo, 23 de novembro de 2008

AmaranT'e

...e no fim da rua:



O rio !


Vivaldo Simão

Nostalgia de um velho

Recordo meus amigos de criançola...
Ah! Foram tantos! E na minha rua,
Naquelas tardes de brisa tão nua,
Os gudes no “pezin” de castanhola.

Dividíamos nós felicidade,
Tristeza, decepções, sonhos de infância,
Segredos, as primeiras esperanças,
E os primeiros sinais da puberdade.

Mas depois, esta senda foi ficando
No olvido da mudança, para trás;
Muito célere o tempo foi passando...

Só, trilho hoje e estrada com meus ais;
E às vezes digo a mim mesmo chorando:
-“Não seremos aquilo nunca mais!”

Rogério Freitas

Carnaval

Já desperto o sonho de mortos vivos,
Acabrunhados pelo sono em apoteoses,
Fantoches e confetes dão vau à carne.
A felicidade bate à porta
E sem demora, avisa que veio pra ficar.

Edilberto Vilanova

Parto

Este sou eu: alguém que busca.
Ante a hermética face que eu não conhecia
Eis que estou aqui, buscando em mim
Um resquíscio qualquer de poesia

E a poesia, o que é?
Um jorro do magma dos subterrâneos do meu peito?
Uma polaróide do universo exterior filtrado e impresso?

E a poesia, como fazê-la?
Encaro-a, esfinge, sem sabê-la
E ela ri com o canto da boca e diz:
"Decifra-me ou te devoro!":
"A poesia é a pergunta e a própria resposta"
Eis que pari um poema


Vivaldo Simão

Coisa antiga

Nem bem nasci
E já parto

Nem bem nasceu
E já parto

Nem bem nasceu
E já Parto

Minha mãe não tinha noção
De planejamento familiar.

Rogério Freitas

Identidade

Em mim não há idade, nem festa
Em mim não há história, nem fósseis
Em mim não há rótulo, nem sexo
O que está em mim se q u e b r a.

Edilberto Vilanova

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Poema oblíquo

Mim e ti
Largados à míngua
Pagando o pecado
Pelo crime contra a língua


Vivaldo Simão

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Vidente

Vidente, eu morro todos os dias,
A tanger o amargo e irresoluto luto das horas.
Fugidio vejo o abismo e derramo rosas,
Elas escorrem sem perfume
Pelo espelho oco do homem
E onde estão os dias que me fogem?
Onde se escondem as palavras que me sobram?
Procura inútil entre a divisão de mundos.
Onde começa e termina tudo.
Toda morte é por amor, por um punhado
Do pão que nasce e morre todos dias
E a ferida que sangra, pulsa, vibra, devora-se.
Vê-la esvaindo-se e não poder gritar
É rejeitar os trejeitos da dor.

Edilberto Vilanova

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Canção Ébria

Último gole
As coisas todas diáfonas:
Tudo um sonho!

Agora nem pieguices,
Nem dores,
Nem remorsos,
Nem preocupações

Livre de todos os males:
O corpo leve
A mente vaga

Passos descompassados
Entre faróis e buzinas
Pisadas em poças de lama
Tropeços e mais tropeços

O sono pesado,
O desequilibrio,
A queda,
A cama na calçada

Rogério Freitas

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

O tempo e a matéria

Um poeta sem matéria
Desfolha a alma,
Flerta o lado torto do verso e espera:
Palavras e resíduos de festas.

Desmaterializado, o verso se industrializa.
Dissimulado, simula o espetáculo,
Encrespa-se, encrava-se e se infesta.
Infestado, imerge e se entristece

E assim, com olhos caleidoscópicos,
O poema, oráculo, copia os séculos
O espetáculo se entardece
E o poeta, binóculos desorbitado,
Decai com a cadência das décadas
E a matéria, já decomposta vira feto,

Enfim, o tempo e o fim.
Descompassado, o poema se emudece.

Edilberto Vilanova

Dois virgens

Um noturno de Chopin,
O vinho tinto,
O aroma da amanhã,
O inceso,
O silêncio
Assentando sobre o quarto
Envolto pela ânsia e a meia-luz

Dois pares de olhos flamejantes,
Hesitantes olhos!
E a brancura dos lençóis:
Oceano insinuante de águas serenas
Nos convida a navegar
Sendo partida e destino um do outro

Agora, a nossa volta ruídos serenos
E a vida que se derrama silenciosa e lenta
Uma brisa se insinua entre as flores
E eu prendo o instante entre os dedos,
Enquanto o tenho junto das mãos
As mãos que são dadas às
E te convidam a provar comigo
A maravilha de viver

Lá fora a cidade adormecida e quente
Parece incapaz
De supor nós dois.

Vivaldo Simão

domingo, 9 de novembro de 2008

Luz

A vela
É vê-la!

Rogério Freitas

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Experimental

Um,
dois,
três

Textando!

Vivaldo Simão

Haikai sem vida

A vergar espinhos
Desabrocho-me em flor,
_Morro sem odor.

Edilberto Vilanova

sábado, 25 de outubro de 2008

Estéril silêncio

Há dias espero
Por uma palavra,
Uma mera palavra
Que possa ser o fio
Da meada
Uma palavra seminal
...E minha cabeça...
Minha cabeça prenhe de nada!



Vivaldo Simão

Falando a Dora

Para sempre não há, Dora, ventura
Que dure. Ser feliz e um breve instante.
O mundo algoz tão ríspido, inconstante,
Converte todo bem em amargura.

Lamenta sim a grande desventura
Que vira! Não te iluda a radiante
Fortuna que da a qualquer semblante
O sorriso do gozo e da fartura.

Eu também, neste rosto, carreguei
Esse riso – também me debrucei
No fausto da fortuna que me dizes...

Mas, toda a luz que eu tinha se apagou
E veio o eterno mal; só me ficou
A saudade dos dias mais felizes.

Rogério Freitas

Submarino

Na hora do mergulho, submerso o submarino subverteu-se
E agora, eis-me a desfazer o sonho em taça,
Eis-me a seguir relâmpagos na desventura dos cálices,
A entornar vácuos e acordar fantasmas
Eis me aqui: dragão nebuloso, risonho e asqueroso
Quando o coração já é fumaça
E o peito se derrama outra
o silêncio grita outra vez
Pois já rodopiaram os instantes e se quebraram os limites.
Quando tudo se cala,
Explodem raros castiçais de nuvens desvirginadas
Em espirais convulsas de hálitos mofados.
Mas a boca ainda se abre e de sobressalto, em retalhos,
Resta a fala e diante dos olhos há tantas coisas!
Tantas palavras que antes eram náufragios
E agora são naus, que embora desatinadas, carregam um grande fardo
E ainda conseguem fugir do sopro da tempestade.

Edilberto Vilanova

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Outras partes

Não chores como eu
Invente uma arte
Não fique falho como eu
Pois existe outro
Que se encontra em qualquer parte
E quem está aqui
Não sou eu nem o outro
É apenas a parte louca
Que contesta a novela volúvel
Que insiste no mesmo capítulo
Quando brota um novo jornal
Porém, com o mesmo noticiário.
Variável dor
Que não sabe se dói ou se desfaz o amor.
Amor?
Será o amor condenado, calculado, sacrificado,
Servido à mesa num prato raso?
Mas, não chores como eu
Invente uma arte
Pois quem está aqui
Não sou eu nem a parte louca,
Agora é o outro
Que vem de outras partes
E se reparte em artes.

Edilberto Vilanova

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Poética

Estranhos labores!
O meu faz outros sonharem
E uso as minhas dores.

Rogério Freitas

Poema mudo

"O que é que se diz
Quando todos os poetas já disseram tudo?"
Silenciei e fiz esse poema mudo

Vivaldo Simão

A morte de Cupido

Vingai-vos por amor, adornai
Minhas mãos com fogo
Na regência das palavras, apartai
Parte a parte o todo

Ao amor, esse gracejo, adorai
Partido. Apartei-me do jogo
Por vê-se ferido, cai,
Vencido, perdi o fôlego.

Com tanto amor esculpido,
Ainda rola o pranto,
Não se ouviu o grito de Cupido

E ele, deus desvalido,
Desafinou-se, afagou o canto
Quedou-se e feneceu desconstruído

Edilberto Vilanova

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Grande bem

Veio a morte, mas inda sou contigo;
foste, nos ventos bravos desses mares,
Nada mais, ó meu bem, que o lenho amigo:
A salvação sublime dos pesares.

Bastava teu olhar (eu já o sigo!)
Necessário não era tu falares,
Pois no seu brilho tinha eu paz e abrigo;
Sequer busquei o cristo dos altares.

Quando entrastes no céu, os bons pastores
Indagaram-te o que de bom fizeste
E sobre tua vida e teus valores...

E falastes no imenso azul celeste,
Pra não perder a porta dos louvores
Do grande bem do amor que tu me deste.

Rogério Freitas

Carrocéu

Da aurora ao luar corre em círculos
Cavalos e moinhos endoidecidos
Sobre meninos e lobos: homens adulterados
E corações dissolvidos em óleo diesel
Da aurora ao luar o cavalgar ondulado
E a corrida ressequida dos dias

Inscrições de cimento e vida
Que correm pro céu corre(céu) de carrossel
E de tanto elo, de tanta corrente, de tanto correr
Se despedaçam os risos
E a tez enegrecida da lua
Traz o replicar dos sinos e tudo se divide:
Estampidos e gritos viram detritos de silêncio
E de tanto abraço os braços se enlaçam
De tanta palavra a boca se cala
De tanto cavalgar as patas se partem
De tanto dar-se as mãos os dedos se abrem
E de resto sobra esse hesitar
Ah! Esse hesitar de amigos em conflito
Esse hesitar de amores retrô(cidos)
E dos grilos recolhendo mágoas no telhado
Ah! Esse hesitar de tantos idos
De lágrimas, labirintos e hinos
Esse hesitar a adulterar o itinerário dos meninos
Epitáfio feito ao rebentar da vida
De mármore e morte
De resto sobra esse hesitar
Trancafiado em viés, trocando anéis
E correndo sempre para o mesmo lugar
Correndo pro céu corre(céu) de carrosséis

Edilberto Villanova

Elos

Sons em tons de rosa
Ressaca de novas ondas
Lá fora a chuva corre calma
Enquanto em me retraio
E me expando até onde jaz qualquer possivel limite
Não há mesuras nessa total falta de espaço
Nem relógios que abriguem esse tempo
No delicado espaço entre o que sou e o que sinto
Nenhum sentido
Todo o sentido do mundo
E todos os sentidos são
Holofotes inversos:
Acenam o porto de fora pra dentro
Por um minuto indefinido
Eu, fóssil de um homem perdido na história
Adormeci
E acordei nos braços de um tempo
Em que os limites eram lanços rotos
Na ânsia da quebra
Um parto entre homens que eu era
E homens que de mim virão.

Vivaldo Simão

sábado, 20 de setembro de 2008

Atendo a um pedido de Dora

Não gosto, Dora, de trabalhar o livre.
Não sou minuncioso, mas gosto de cuidado;
Um muro mal construído, alem de inútil,
Não nos chama a atenção e passa a ser
Um amontoado de tijolos sem nenhuma estética.
Ao passo que, um muro bem erguido,
Metro por metro, tijolo por tijolo,
Reboco por reboco, com cores que se combinam,
Passa a ter beleza e utilidade.

Tu, que és divina por natureza,
Me pedindo estes versos sem agrado,
Fi-los, ei-los prontos! Cabe a ti
Dar a eles a pureza de tua graça.


Rogerio Freitas

Notícia

A qualquer hora haverá notícia de vida
A qualquer hora haverá notícia de morte
Quando a aurora desabrochar teu sonho pequeno
Convida-me para ver teu filho,
Convida-me para ver teu norte
Mas antes que seja tarde, sela o teu cavalo
Sai pela porta de entrada e depois de um tempo,
Convida-me para ver tua casa
E quando a aurora desabrochar teu sonho pequeno
Olha teu filho,
Beija teu fantasma,
Beba teu veneno,
Vê que o nosso amor não deu em nada
E tenha cuidado:
Pois
A qualquer hora haverá notícia de vida
A qualquer hora haverá notícia de morte
O que arde debaixo do sol
Desaparece
O que arde debaixo do sol
Permanece


Edilberto Vilanova

Lirismo etílico

Serpenteava asfalto adentro. No meio do caminho havia uma placa. Havia uma placa no meio do caminho. Pendia, onipotente, em letras garrafais: Bar Beira Rio.
Qual improvável encontro! Ele,o viajante etílico. Ela, a placa, pensa, ébria, encharcada de poesia.
Quanto lirísmo numa placa de bar, posta que alí, torta, à beira do asfalto! Reparando bem, digamos assim, com olhos cheios de um lirismo bêbado, ele dava-se conta de que toda auto-estrada é um rio, corrente constante, desaguando aqui e acolá, desfilando deslumbrante aos olhos do dois, ele e a placa: par de ébrios à margem do rio.

Vivaldo Simão

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Depois da chuva

Depois da chuva que caiu...agora
A mata voltou a ficar silente
Somente gotas de orvalho lá fora
Caem dos galhos compassadamente

A água foi pouca, a cascata não chora,
O azul do céu surge de repente
No entanto por pouco tempo nessa hora
O sol já vai sumindo no poente

E vem a noite como um ser ferido
Mui branda, triste, quieta e calada
Porém vem trazendo algo divertido:

No chão parece haver prata jogada
Devido ao luar belo refletido
N'algumas poças d'água pela estrada

Rogerio Freitas

Asa delta

...Subiu a serra

......Para esconder o fado

............De longe se via seu desalinhar,

....................Comprimiu gotas de esquecimento

......................Rompeu com os astros invisíveis da sua mente

.....................Robusto e novamente cego comprou asas, virou deltas,

...................Disperso, decaiu-se sobre o arco, abriu asas e voou.

................Mais valia o último voo do que o navegar

............De náuseas e dias compartidos.

..........Então encontrou o fado

......E desceu a serra.


Edilberto vilanova

Dilema

Ah! Esse 'caoticoração' não sabe o que quer
Renegando o altar que essa mulher
Dispõe ao meu amor
Que o amor de outra mulher
Não quis provar
Fez pouco caso
Olhou de lado
E eu de tão acostumado
Ao fado de amar errado
De a-mar-es amargos dantes navegados
Encarei a tempestade sem saber
Que dessa vez era mais sério
Qual mistério esse: gostar do avesso do amor, a indiferença
E essa outra que me tem tanto zelo
Se despedaça inteira em apêlo
Sobre meu peito: puro gelo pra esse amor
Que estimarei quando não mais tê-lo
For um erro consumado enfim

Vivaldo Simão

Mar Tristonho

Ao longo da praia ando muita vez
E em fúria vejo o mar se debatendo,
Parece assim como eu estar sofrendo
A saudade de um bem que se desfez

Saudade triste ou solidão talvez!
As ondas balbuciam, não entendo...
E vêm aos meus pés quase me prendendo
Mas sem alento morrem outra vez

E quando a noite cai, bela, serenas
As estrelas com todo amparo seu
Vêm livra-lo de suas tristes penas

Dessa mágoa se vai o triste véu.
Calmo e risonho o mar se torna apenas
Um grande espelho refletindo o céu.

Rogério Freitas

Girassol

Nascer: ser um nó
Para girar sóis
E desatinar-se só
Para enfim virar pó

Edilberto Vilanova

Migração

Partir pro Sul:
Difícil parto
Repartir-se do cordão umbilical
Ensaio do voo de pássaro
E o coração materno teso de saudade
Parado na estação
Cria do Norte tem sede de sonho
E o acaso esperando na parada final

Vivaldo Simão

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Fetiche

A poesia não bate à porta
Salta sobre a janela
Contamina a casa

Todo poeta é uma virgem
À espera da poesia
Ela chega num cavalo branco
E toma o poeta pra si
Deflora o poeta

A poesia é sádica
Cospe um não na cara do poeta
E se nega
Enquanto se insinua
De mordaça e chicote
Exulta ante a súplica do poeta

A poesia é o pesadelo do poeta
Irmã da musa de olhos arregalados: insônia
Mas quando vem e se dá
É gozo de alma e carne
É delírio onírico do poeta disperso

Vivaldo Simão

Silêncio

??????????????????????
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
A pergunta que antecede o grito
É o silêncio

Edilberto Vilanova

Riacho

Em tuas margens, casas não se viam
Nem o sol era brando como agora,
Seus raios eram mais fortes e, outrora,
Searas e rebanhos existiam

E as tuas águas de cristal desciam
A espalhar vida, colorindo a flora
E hoje em teu bojo a água impura deflora
Os bosques onde as Ninfas se escondiam

Ah!Mas o viajante que ainda para
E com saudade te olha por prazer
Certamente verá um lindo prado,

Tuas margens sem casa, uma seara,
Um sol mais belo, água pura a descer,
Um vaqueiro e um rebanho do meu gado.


Rogerio Freitas

Haikai Social

Sob o viaduto
Parece haver vaga-lumes
-Mendigos que fumam

Rogério Freitas

Despertador

Ao despertar da dor
A exatidão do tempo rompe o silêncio
Em rascunhos e fagulhas.

De novo o alvorecer do sonho retirante a abrir feridas
O corpo se desfibra e arde novamente
O sol, condenado a nascer, recorta as vísceras
E espalha pelos escombros de qualquer mercado
Flores e lástimas cobertas de vítimas.

Não mais vozes do silêncio
Agora mapas do acaso
Não mais amores vãos
Agora resquícios de orgasmos
nada mais escuro
Agora louvores
Cores e atores

Abram as cortinas para o teatro corrosivo do dia
Pois repleto de dramas
Recomeça mais um grande ato
amargo e mágico de víveres.

Edilberto Villanova

Chuva

Findou se o retirar dos retirantes
No vento a cantilena retumbante
Clarão no céu da pátria neste instante
E lá, na negra nuvem-nave adiante
Regalo raro para um povo errante

E brota o riso frouxo, a reza grata
O verso a anunciar contentamento
E baila a folha verde ao som do vento
E a dança do inverno adentra a mata

A nuvem conta-gotas pinga água
E, paulatinamente, a chuva desce
E a poça progressivamente cresce
Um sapo sorrateiro à poça salta
E solta um som aberto peito afora
E o velho diz que a chuva é o céu que chora

Agora,
O fim do estio afinal
Lá fora corre um rio vertical

Vivaldo Simão

Horas Verdes

Agora meu peito é um rádio:
Pulsa ondas de baixa frequência
Fragmentada(mente) lateja minha consciência
As palavras se interrompem em paredes imaginárias
Errantes, resvalam entre valas, declives
E tudo que há pela sala
São fantasmas invisíveis

Entre zonas de eras eternas
Eu tenho a cor da água
Eu corro em câmera lenta
Desencarnado, suponho um purgatório
Reconheço o infinito no espaço físico
Esvaeço no abstrato desse rio químico
Cuja fonte emana menta
N’algum canto em minha mente

Agora, ao som da música em câmera lenta
Cada cena do cinema surreal
Em teatro, em som, em sombra, em cor
Em alma, como um Almodovar
Termina e recomeça sem um elo exato
Tenho asas no sapatos
Tenho um fardo na cabeça
E aos olhos da menina que me miram, luas cheias, posso ser um Deus
Ou posso ser o avesso
Recolhendo culpas num saco de lixo

Vivaldo Simão

CO2

Os automóveis
Movem
A morte!

Edilberto Vilanova

Retorno à cidadezinha

Vendo... ali está linda e perfeita,
Presa nas profundezas da cratera;
Simples e humilde sempre. Ó terra, aceita
Este filho que em vão buscou quimera.

Entrando... talvez guardes-me rancor,
Apesar dessa grande humildade:
Do teu seio troquei este calor
Por ilusões, só conheci saudade.

Chegando... em minha rua sons de Agosto
São cantados por folhas, pela brisa;
Com elas também vai o meu desgosto.

Rio, vejo um olhar: o de Adorisa
Amor de uma infância de tanto gosto!...
Roçando o chão cicia em prece a brisa.

Rogerio Freitas

Gêneses

A partir de hoje, neste espaço, a mistura de três poetas, três cabeças, três estilos fundidos numa palavra chamada poesia. Edilberto Vilanova, Rogerio Freitas e Vivaldo Simão: O Baião de Três.
Sejam bem vindos e bom apetite!

Baião de Três