terça-feira, 12 de abril de 2011

Solitude II

No pequeno porto
A barca só
Na pequena aldeia
Abarca só
Seus sonhos o pescador

Rogério Freitas

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Despertador

Ao despertar da dor
a exatidão do tempo rompe em silêncio
em rascunhos e fagulhas
De novo o alvorecer do sonho retirante
a abrir feridas
o corpo se desfibra e arde novamente
o sol recorta as víceras
e espelha pelos escombros de qualquer mercado
flores e lástimas cobertas de vítimas
Não mais vozes do silêncio
agora mapas do acaso
não mais amores vãos
agora resquícios de orgasmos
nada mais de escuro
Agora louvores
Cores e atores
Abram as cortinas para o teatro corrosivo do dia
repleto de dramas
recomeça mais um grande ato
amargo e mágico de viveres.

Edilberto Vilanova

segunda-feira, 28 de março de 2011

Matéria bruta

Dava pra fazer um monumento de mármore à paz, em Lower Manhattan
Com a frieza branca que transborda do peito desses homens
Dava pra reerguer Hiroximas e Nagazakis
Com a força bruta que brota dos braços desses homens
Quando agridem e ferem,
Nas ruas, nos bares, nas lutas, nos lares
Com o fogo que arde nesses homens, derreter-se-iam grilhões e grades
E todo o gelo dessa era glacial dentro de nós
Dava pra construir centenas de milhares de cidades
Nos quilômetros baldios dentro desses homens
Neles abrigar-se-iam meninas chinesas largadas nas ruas
Legadas à morte por inanição
Caberiam os gêmeos, os fisicamente imperfeito, os débeis mentais,
Culturalmente enterrados vivos nas tribos indígenas da América
Caberiam os mendigos e os meninos senis esquecidos
Pela maquinaria construtora da ordem e progresso mundial
Caberiam serenos asilos, com jogos nas calçadas, café com prosa e sorrisos
Caberiam escolas e escolhas que aqui fora já não cabem
Quantas flores e frutos teriam comportado
O espaço improfícuo dos Campos de Auschwitz?
Quanto sangue derramado nos campos de batalha, nas chacinas diárias
Enquanto filas infinitas estendem-se nos bancos de sangue.
Com as mãos que atiram pedras sobre o véu que cobre o corpo
Das mulheres do oriente
Cavar-se-ia a terra, arrancar-se-ia novas fontes
Em cujas águas matariam a sede os sertões
E converter-se-iam Saaras em searas

Vivaldo Simão

Os olhos do tempo

Tudo se dissolve nos olhos do tempo
Os feixes de palavras
As tranças das sandálias
As catástrofes diárias

Tudo se dissolve nos olhos do tempo
Os instantes de cansaço
Os corpos decepados
Os crimes indecifrados

Os acontecimentos, as rosas abortadas
Os edifícios, os rumos das estradas
Os jornais, as revelações
Tua glória e teu declínio
Teu riso e tua lágrima
O que foi profetizado
O que foi ofertado
O que virou vapor e o que se solidificou
Os amores presentes e passados
O que ganhou forma e o que ficou abstrato
Teu perdão e tua mágoa.
Tudo se esmaga nos olhos do tempo.


Edilberto Vilanova

Por seus olhos

Apenas vi um olhar reluzente
A iluminar meu coração impuro
E, nessa hora, a esperança de um futuro
Vigorou no meu peito novamente.

Apenas vi um olhar reluzente
Que me falando co ardor de amor puro
Resgatou coa bondade do escuro
A triste alma deum corpo decadente.

Apenas vi um olhar reluzente
Cujo brilho singelo, em minha mão,
Deixou a cura para um ser doente.

E depois desse bom primeiro passo,
Eu finalmente corri para o abraço
Da vida, da paz, da libertação.


Rogério Freitas

A Besta pop

Do além-mar da midiocracia
Emerge a grande besta pop e se anuncia,
Mistificada, à multidão
Histericamente mesmerizada
Historicamente mesmificada
E beija-se, e curva-se, e baba-se os pés
Da grande besta pop
Mãe amada
Dos esboços de astros
Dos projetos de deuses com fomes de flashes
Vampiros sedentos
Retratos de tempos de porca miséria emocional
Mas outros astros, tão mais nobres
E muito mais loucos
Pairam muito além desse mar
E aprendem a beijar a pele do céu


Vivaldo Simão

Poema de reconciliação (aos meus pais)

O beijo se refez.
As bocas fechadas e mudas
Entreabriram-se de súbito

No fim do estio
Um relâmpago
Cortou o silêncio das nuvens
E das veias de chuvas
Esvaiu-se a sangria dos açudes
Encorpados
Os lábios de nuvens se tocaram
Fizeram trovoadas
Abrindo um tempo de fartura

A transubstanciação da vida
Recompôs-se na rota das abelhas
No aguaceiro dos riachos
Na pele mordida das mangas
Na sabor rosamarelo das goiabas
No ciclo do beija-flor
No mormaço da tarde

“Quebrado o gelo do riso”
O silêncio quebrado
Quebrado o tempo mal vivido
A agulha pontua novamente
O alinhamento das costuras
E tece agasalhos para o inverno
A coruja agourenta
Que cantava: nunca mais nunca mais
Na árvore do terreiro
Voo pras lonjuras
Onde pousou a zabelê
Cantando as chamas de novas manhãs.

Edilberto Vilanova

Quando Ela Passa

Quando ela passa,
Com seus passinhos sutis,
A rua se enche de graça,
Trabalha o povo feliz.

Quando ela passa,
Toda a nossa rua sonha,
E o homem casado disfarça
Que já perdeu a vergonha.

Quando ela passa,
O adolescente matreiro
Olha seu corpo de raça,
Vai se trancar no banheiro.

Quando ela passa
Em frente do bar da esquina,
Seu Zé dá pinga de graça,
Só por causa da menina.

Quando ela passa
No açougue do seu Lisboa,
Grita ele com muita raça:
- Já chegou a carne boa!

Quando ela passa
No mercado do Clemente,
A freguesia escassa
Se transforma em muita gente.

Quando ela passa
No lanche do seu Joel,
Ele descuida da massa,
Mas sai bem feito o pastel.

Mas quando ela não passa
- Que tristeza nos rodeia!-
Tudo na rua se embaça,
Toda a gente fica feia!

Rogério Freitas

terça-feira, 15 de março de 2011

CINEMA MUDO

Nas horas habitadas por nós
só o silêncio nos povoa
tudo em nós perde a voz
nossos gestos mudos
nossas palavras surdas
nossas vidas caladas
caladas nossas vontades
nossas formas incompletas
partindo em retirada
no espaço ermo do nosso mundo, desmoronado
nossos corpos desabitados
nossos instantes de consumo
consumindo-nos
no calor das horas habitadas por nós

E no filme que nos revela
imagens fragmentadas
do amor que ainda fingimos fazer morada
em nossas ruínas.

Edilberto Vilanova

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Poema da amiga ausente

A imagem da imensa ausência tua
Me acompanha na viagem
Levo de volta, na bagagem, sólida saudade
Solidão que eu quis minguar
com teu abraço
Eu era a visita esperada
e esperei você
Como quem, insone, espera o dia
E minguei
Ali silente, em agonia
Doente pela ausência do signo de luz
Ao qual me conduz o teu nome.

Vivaldo Simão