quinta-feira, 5 de julho de 2012

Rima de areia e mar

a vida tá de onda na minha cabeça
e esse seu sotaque quase cigano
vem surfando em meu ouvido,
vagaroso, feito som de vento,
insinuando uma rima
entre a areia fina
e o mar
!!!
vaga a impelir
e abraçar

Vivaldo Simão

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Agosto


lembro agosto chegando
letal e lento
passando
rio silente
lava quente de vulcão
abrasando a minha casa
minha asa
minha cama
minha sorte
Aí agosto endoideceu meu norte
a primeira morte que provei.

meu passado? estagnado
num BR-o-bró sem fim:
desde que passou agosto
no meu peito fez-se estio
nem vestígio de janeiros
nem flor de mandacaru
no chão rachado do meu rosto
eu hei de vencer agosto
antes de agosto, a mim

Vivaldo Simão

Das coisas que sei do tempo

Um convite pra falar do tempo e eu busco uma fresta, uma réstia de ideia. Vou ao Google: 145.000.000 resultados. Nenhuma resposta. De que tempo estamos falando afinal? De Kairos ou de Chronos? Do tempo da moça do jornal, com nuvens carregadas no fim da tarde, pancadas de chuva no começo da noite? Previsões do tempo são possíveis? Tenho comigo que tempo é o que chamam Deus ou talvez maior que isso. Pensa comigo: Onde vai dar o tempo? De que nascente brota? A gente olha e a resposta é oca. O tempo é imenso e só. Do tamanho de que? De quem? Do tamanho do tempo! Nada é mais que o tempo! Tenho comigo que isso é o que chamam de Deus: o infinito adiante, correndo em frente, deixando pra trás o rastro do infinito. O tempo é como a historinha da cobra que morde o próprio rabo. O coelho de Alice não tinha tempo. “A farta falta de tempo consome o tempo das coisas” mas a falta de tempo ainda é tempo. O tempo que não se tem é tempo. O tempo... paradoxo! Vejamos: ..., não, não. Ainda não entendo! Pergunto um dos maiores homens do seu tempo. Ele responde: “Uma ilusão. A distinção entre passado, presente e futuro não passa de uma firme e persistente ilusão.” Mas eu sei que isso ainda não é o tempo. As pedras não se iludem porque não percebem. A ilusão só ataca aquilo que pensa e sente. Muito antes da consciência e das sensações havia o tempo. Aliás... Aliás, sempre houve o tempo."Oh Tempo Rei! Ensinai-me, oh Pai! O que eu, ainda não sei." Eu nada sei sobre o tempo.Tanta coisa pra dizer. Nada de concreto. Quer saber?! Já é tarde. Nada mais a dizer. Não há tempo!

Vivaldo Simão

Puberdade

Minha infância sem rios
se fez barquinho de papel
e naufragou
nas águas turvas da cacimba
do interior de minha adolescência

Edilberto Vilanova

Marcas

Uma imagem sinuosa, meio torta
no espelho côncavo das claras águas,
personificação das nossas mágoas
frente a ela, essa alegria não suporta

Em que mundo de luz é que desaguas?
há alguma esperança à tua porta?
São cicatrizes ou rugas? (Que importa?)
- É o movimento sísmico das águas

Não foste criatura de beleza
ainda mais que tu foste abatido
pelo dilúvio austero da aspereza...

E mesmo ante as agruras, comovido,
eu ainda contemplo com surpresa
Meu semblante nas águas refletido.

Rogério Freitas

domingo, 3 de junho de 2012

Dois em um

Maiakovisk já dizia:
 "endoideceu minha anatomia: eu sou todo coração"
 quisera eu que a mim assim se sucedesse,
 que a minha de tal modo enlouquecesse
 antes isso a essa tão inconciliável dicotomia
 porque digo: na minha anatomia,
 toda ela é tão somente
" célula do caos em combustão"
é peito bradando guerra
 onde o resto anseia trégua
 é briga de água e brasa
 dança de brisa com furacão

Vivaldo Simão

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Música Mista

Ainda bem que ela volta
Com seus sortilégios
Com sua astúcia

Brinca em meu peito
Devolve meu riso
E minha angústia

Traçar cada linha
É o nosso objetivo
E como recompensa
Ganhamos apenas satisfação

Os contratempos vêm
As dificuldades vêm
Mas tudo isso
Encaramos juntos
Cada um cúmplice do outro

Quando ela vai
Não sei se demora a voltar
Só tenho certeza
De que voltará
Porque o que fazemos
É também vida
E a vida um poema sem fim


Rogério Freitas

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Retrato de um poeta bissexto

traço minha rota torta
feito a linha que comporta
a letra de um deus
bisexto de verso e aniversário
prematuro, libertário
poeta e ateu
ora bato a asa
ora bato à porta
minha carne mal suporta
esse anseio meu
nessa ânsia que me cabe
de abarcar o mundo
antes que mundo me abarque
e se acabe
antes que mundo me abarque
e acabe
embalando-me em meu próprio berço
embolando-me em meu próprio passo
recolhendo-me no vasto universo meu

Vivaldo Simão

Maravilha de sal

o mar é maravilha
maré cheia de acalanto
é água benta de quebrar quebranto
canto bom que entoa a voz do vento
quando transborda e nos encharca
de brisa e maresia
e outras alegrias
carentes do cais
que lhes somos nós
o mar é esconderijo turvo
de benções e perigos
pois ai de nós
se o mar nos traga,
mas se o mar nos trás
ruminadas coisas de sal
que sejam o nosso sustento
ou alguma brisa que nos beije
que nos seja alento
num ocaso qualquer
o mar será maravilha
maré cheia de tudo que brilha
longe dos olhos de quem vive
aquém da barra da saia do mar


Vivaldo Simão

Estatística

todos fazem parte dela
o gari, o pedreiro, o carpinteiro
o vigia...
menos seu Zé
homem do sertão, solitário,
que mora em uma choupana
desconhecida pelo IBGE

ele labuta arduamente
pra comer, pra beber, pra se vestir
e tudo com honestidade
é uma pepita de ouro
em meio a um deserto

ele canta
entoa suas canções alta noite
conte (olha) estrelas e sonha
cada um aprende a ser feliz
lá à sua maneira
como também aprende a não culpar
os outros pelas suas tristezas

e seu Zé é assim
contente com seu destino
não sabe ao menos
quem é o presidente
e não faz mal
o presidente também
não sabe quem é ele

Rogério Freitas

Namoro de astros

A gravidade do amor
paira sob o lençol celestial
duas luminárias seculares
velam as noites
Um cavaleiro cavalga na pele crua da lua
no seu cavalo branco
de espada em punho
São Jorge, devorador de dragões
Vestido de luz
nosso romance flutua:
você Vênus
baila entre as galáxias, nua
Iluminados pelo sol
seguimos lado a lado
passeando pelas eras
você Dalva, eu lua

Edilberto Vilanova

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Reza velha

Nosso amor
desprotegido pelos santos
sem colar benzido no pescoço
quebrou o encanto
e não tem reza
que cure esse quebranto

Edilberto Vilanova

Lívre arbítrio

misterioso é o ser e não transmuta
sempre irial ou sempre iracundo
carrega dentro de si, no "eu" profundo
essa carga imutável e absoluta

e sua vontade é dissoluta!
mas as escolhas perante este mundo
sequer o distanciam um segundo
da inexorável e real conduta

sempre aprisionado a seus anseios
o homem, não importa quais os meios
busca seus sonhos como em labirinto

e o ser, que se acredita ter mudado
apenas teve seu sonho saciado
ou conteve à força seu instinto

Rogério Freitas

A sua presença moça

a sua presença moça
interna em mim
é coisa que não se cansa
não cessa
feito a volta das horas em torno dos dias
e como o mar a ruminar o sal
e o céu aos sóis e luas
assim sucede essa presença sua
que tanto translada quanto rota
em volta do amor que mora
em mim

e ainda que longe você mesma
esteja
da moça que vejo
quando olho a criatura
inquilina do meu desejo
que uma vez tendo em mim
abrigo interno
nunca dei despejo
vejo moça ainda
e quanto mais ausente, moça
mais sua presença
nunca finda


Vivaldo Simão