sábado, 2 de janeiro de 2010

JANELA 19

Partida. Eu encaro o quadro vivo. Que paisagens me esperam? Sou como o cão entretido a ver o giro do frango no forno do mercado: sabe lá porque, essa vida corrente ao revés fez babar e "abanar o rabo", salivante ante o objeto do desejo platônico, o elemento vida. Vontade de me apossar de tanta cor, tanta vivacidade, eu que no correr dos anos ando desbotando. A fome no meu peito não tem medida. É como fosse uma forma de amor.
Às vezes a vida corre menos ligeira: pontos de parada. Do lado de dentro eu olho o quadro e ela, senhorita vida, retribui o olhar, mas me olha com olhos de cega ( como quando alguém encara um ponto além de suas costas)... cega, e ainda muda, uma mudez chapliniana que me diz tanta dor e tanto riso.
Eu, do meu canto, me encanto: Como cabe a vida em tão poucos centímetros quadrados?
Olho a louca da rodoviária que vai e vem dizendo coisas que não sei ouvir além desse vidro. Talvez nem ela saiba ouvir também de lá, ao lado da própria voz. O mundo mesmo, às vezes, é cego e surdo aos loucos por puro fingimento ou covardia, quiçá medo da cota de loucura que nos cabe. Certo dia, um sujeito qualquer, objeto abjeto de si mesmo, inventou o conceito de normalidade pra fingir que gente é tudo igual. Bela verdade postiça pra quem goza a fantasia de segurança.
Um homem sentado lendo um jornal num tempo em que olhar o mundo impresso é pura perda de tempo mostra que mesmo esquálido, o passado passeia no presente, resiste, renitente.
Aromas de doce e delícias de sais saltam sobre a alguma janela entreaberta ao bel-prazer do meu olfato. Prazeres não duram, são passageiros como eu.
O som do motor.
E da janela a vida volta a correr ao revés: Re-partida.

Vivaldo Simão