quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Prece pagã 2

Senhor,
 conceda-me a graça de ser tolo e manso
como um bicho que pasta na linha do tiro
ignorante da eminência da morte
dá-me a mudez ou a prisão
de dizer não ao sim e sim ao não
quando meu coração quiser falar
permita que eu seja cego
quando meus olhos indigestos já de tanto horror
provarem novamente esse banquete
de imundície humana cotidiana
que eu seja submisso e burro
como as donzelas dos séculos perdidos
à espera de um amor forjado
pela tradição
só assim serei então
debilmentalmente feliz
e abrirei os dentes
extasiado pelo gozo de ser igual
às  doces crias do meu tempo.

Vivaldo Simão

Sertão de dentro

eu nunca provei primaveras e outonos
nem ruminou minha pele o mar
os meus olhos só sabem das paisagens de pedras e espinhos
de verões perdurando entre efêmeros invernos
sei do som do vento geral sussurrando poeira
sei das palmas calejadas das mãos do meu pai
e se faço versos sobre o mar
é porque tenho sede
e  nada sei do sal

Vivaldo Simão

Entretenimento

entre ter-se no egocentro
traste velho entulhado
em cima de si mesmo,
ensimesmado
e ter tecido o teu riso
nos dentes do outro
e o ID ficando alado
melhor que sejamos nós
num riso compartilhado
Identificados

Vivaldo Simão

Enredo

com a  Kardec
teço almas: a minha e a tua
aí vai ser loucura!
enlinhados, nós em nós
urdidura e trama
até que nem a morte nos separe
pra não ter mais drama

Vivaldo Simão

Com os anos

com os anos
como a rota
rio-oceano
confluíram se as dúvidas
à iminência de um fim

com os anos
fendeu o barro que abrigava tua verve
e a febre dos sexos já não arde

com os anos
sobra 
passado 
quanto menos cabe
o futuro

com os anos
eu quero seguir em frente
com os anos


Vivaldo Simão

Luas

a Ceicinha

às vezes você vem lua nova
e repousa em minhas constelações
vez por outra desponta crescente
repentinamente lua
iluminando ruas
se sua estrela se ofusca
tudo em meu quarto míngua
mas se você paira lua cheia
gravito em seu céu
e visto minha vida de luz

Edilberto Vilanova

Web-haicai

a aracmídia
à espreita me rodeia
caio na teia!

Vivaldo Simão

terça-feira, 4 de junho de 2013

Arpejo

não me acordes com doces acordes
acorde-me para trabalhar,
para suar e me exaurir.
não me faças sonhar acordado
anestesiado sou menos cauteloso
deixa que eu delire apenas nos teus braços
do momento do amor
mas antes quero a realidade
quero estar cansado ao fim do dia
e com dor de cabeça
quero me preocupar e pagar as contas.

só assim nossa casa
poderá ser edificada sobre a rocha.


Rogério Freitas.

Finis hominis



o Co2, o tédio, o cansaço,  o vício
os estragos de um amor mal resolvido
o custo de vida, a baixa renda, o nepotismo vitalício
o freio falho, a lei de Murphy, o transeunte distraído
o emprego maçante, o engarrafamento,
um salto da janela do apartamento
e tantos outros crimes sem perdão
nos apartam da eternidade,
esse nosso anseio esquivo e alado
finis hominis est necessariam malum
está consumado

Vivaldo Simão

Grávido

sai de mim
como fruto
sêmen semente
sol nascente,
que me oriente
meu acidente vital
sal de mim
que me dá sabor
me tempere
paz de intempérie que esvanece
meu pretérito futuro
que o agora tece
pedaço do meu pai
e do filho do meu filho
som que sai de mim,
do meu sangue
meu estribilho
acorde que me adormece
das dores de parto do mundo
cantiga de ninar teu pai.

Vivaldo Simão

Consenso sobre o Sonho

Nunca fora registrado acontecmento parecido. Ouvimos falar de muitas coisas, porém de casos isolados: que uma pessoa durma perturbada e tenha sonhos assustadores, que novidade há nisso?! Mesmo que durma tranquila, ainda assim poderia tê-los. Falo de um caso real e incomum, mesmo se tratando de uma pequena cidade, com pouco mais de 40 mil habitantes. Chuva intensa e noite monótona. Todos se recolheram às suas casas mais cedo, visto que o dia seguinte seria de muito trabalho. Entre relâmpagos e rajadas de vento, corpos se debatiam, se contorciam. Outros se levantavam, buscavam água, mas retornvam para o mesmo tormento, para a mesma fadiga e impaciência entre um delírio e outro. Uma visão pictórica e irreal das coisas se projetava na mente de cada um; Ninguém entendia, mas se tratava da realidade, da realidade que por ora ainda não era o fim.
Na manhã seguinte, todos se mostravam intrigados ao contar o sonho para alguém: Os outros haviam sonhado a mesma coisa, assim, todos concluíram que tinham tido o mesmo sonho ao longo da noite. Não demorou! A rádio fez suas especulações e outros meios de comunicação fora da cidade fizeram as suas; Concluiram em dois dias que o mundo todo tinha tido o mesmo sonho. A mesma coisa! Como isso era possível? Uma paranoia mundia? Ninguém entendia e muita preocupação veio sobre as pessoas. A Ciência não conseguia explicar, ninguém conseguia explicar; Muitos buscaram a morte sem sucesso, muitos buscaram a Deus sem sucesso. O desespero foi total e o medo, assolador; Nações inteiras se levantaram...Até que a trombeta soou, para a alegria de uns e a tristeza de outros.

Rogério Freitas
dê-me o tempo contra as nuvens do destino
pois já não sei se aprendo ou ensino
já não sei se sonho ou desisto
e deviso a vida de imperfeitos pretéritos
o tempo presente é meu indicativo
minha colheira e meu motivo

Edilberto Vilanova