segunda-feira, 4 de junho de 2012

Agosto


lembro agosto chegando
letal e lento
passando
rio silente
lava quente de vulcão
abrasando a minha casa
minha asa
minha cama
minha sorte
Aí agosto endoideceu meu norte
a primeira morte que provei.

meu passado? estagnado
num BR-o-bró sem fim:
desde que passou agosto
no meu peito fez-se estio
nem vestígio de janeiros
nem flor de mandacaru
no chão rachado do meu rosto
eu hei de vencer agosto
antes de agosto, a mim

Vivaldo Simão

Das coisas que sei do tempo

Um convite pra falar do tempo e eu busco uma fresta, uma réstia de ideia. Vou ao Google: 145.000.000 resultados. Nenhuma resposta. De que tempo estamos falando afinal? De Kairos ou de Chronos? Do tempo da moça do jornal, com nuvens carregadas no fim da tarde, pancadas de chuva no começo da noite? Previsões do tempo são possíveis? Tenho comigo que tempo é o que chamam Deus ou talvez maior que isso. Pensa comigo: Onde vai dar o tempo? De que nascente brota? A gente olha e a resposta é oca. O tempo é imenso e só. Do tamanho de que? De quem? Do tamanho do tempo! Nada é mais que o tempo! Tenho comigo que isso é o que chamam de Deus: o infinito adiante, correndo em frente, deixando pra trás o rastro do infinito. O tempo é como a historinha da cobra que morde o próprio rabo. O coelho de Alice não tinha tempo. “A farta falta de tempo consome o tempo das coisas” mas a falta de tempo ainda é tempo. O tempo que não se tem é tempo. O tempo... paradoxo! Vejamos: ..., não, não. Ainda não entendo! Pergunto um dos maiores homens do seu tempo. Ele responde: “Uma ilusão. A distinção entre passado, presente e futuro não passa de uma firme e persistente ilusão.” Mas eu sei que isso ainda não é o tempo. As pedras não se iludem porque não percebem. A ilusão só ataca aquilo que pensa e sente. Muito antes da consciência e das sensações havia o tempo. Aliás... Aliás, sempre houve o tempo."Oh Tempo Rei! Ensinai-me, oh Pai! O que eu, ainda não sei." Eu nada sei sobre o tempo.Tanta coisa pra dizer. Nada de concreto. Quer saber?! Já é tarde. Nada mais a dizer. Não há tempo!

Vivaldo Simão

Puberdade

Minha infância sem rios
se fez barquinho de papel
e naufragou
nas águas turvas da cacimba
do interior de minha adolescência

Edilberto Vilanova

Marcas

Uma imagem sinuosa, meio torta
no espelho côncavo das claras águas,
personificação das nossas mágoas
frente a ela, essa alegria não suporta

Em que mundo de luz é que desaguas?
há alguma esperança à tua porta?
São cicatrizes ou rugas? (Que importa?)
- É o movimento sísmico das águas

Não foste criatura de beleza
ainda mais que tu foste abatido
pelo dilúvio austero da aspereza...

E mesmo ante as agruras, comovido,
eu ainda contemplo com surpresa
Meu semblante nas águas refletido.

Rogério Freitas

domingo, 3 de junho de 2012

Dois em um

Maiakovisk já dizia:
 "endoideceu minha anatomia: eu sou todo coração"
 quisera eu que a mim assim se sucedesse,
 que a minha de tal modo enlouquecesse
 antes isso a essa tão inconciliável dicotomia
 porque digo: na minha anatomia,
 toda ela é tão somente
" célula do caos em combustão"
é peito bradando guerra
 onde o resto anseia trégua
 é briga de água e brasa
 dança de brisa com furacão

Vivaldo Simão