terça-feira, 17 de novembro de 2009

Maria

à minha avó
Maria Ferreira
Estrada de ferro trilhada pelo pão de cada dia
Mirá-la-ía no fitar do meu riso
E a sentinela inquilina de minha horas
Ganharia asas de aves-marias
Abrandar-me-ia com a cantilena de tuas ladainhas
Rogaria romarias, ó Maria
Tende piedade de mim
Rogai por mim, nossa senhora da bondade
A boa idade dança na folha da Malva-do-reino
Dai-me um chá de capim santo
Me ensine a caminhar no teu rosário
A tecer teu terço, santa lenda
Carmelita, lajedo sem fenda
Não vigiou teu penar
Nem choveu com teu hino(voar)
Mas tua adoção germinou Marcos e Helena
E um orfanato de rebentos embalados pela mesma mão
Aquecidos pelo mesmo algodão
Agora homens que perdem noites
Tragando tuas palavras de renda
A tecer a manhã de birros
Em tua almofada de alfazema
Olê, mulher rendeira
Que me ensinou a andar
Me ensina a fazer renda
Que aprendo a navegar.

Edilberto Vilanova

Solar das doze janelas

Entre a aurora e o crepúsculo
A catedral e a capela:
Um solar
Doze janelas
Doze símbolos de castidade
Doze donzelas
A luz que se escurece
Entre as pernas
Se derrama pelos telhados barrocos
Herdados de Portugal
Ao ranger das portas
Os lençóis guardam o segredo mais roto
As camisolas bailam nas alcôvas
E guardam o negrume de doze sexos
A casca casta do amor
Intacto, impenetrável, inviolável.
Assim se faz a lenda
Onde a pedra da memória se abre em fenda
Em carne viva história:
Doze janelas, doze símbolos do tempo
Os fantasmas passeiam pela praça da vitória
Os cães velam o sono dos homens
O vento acoita as árvores
E lá na casa esperança
Os lobos espreitam pelas frestas
O repouso das doze virgens
Doze cinderelas

Edilberto Vilanova