quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Tom

Lá onde tudo é escuro,
Em mim, sem dó, há um si menor,
Onde brilha um sol maior.

Edilberto Vilanova

Miragens de Luz e Mar

Luz
De apagar escuro
De acenar um porto
(Canto de sereia inverso)
Mas se mira os olhos do navegador
Desfaz a guia e cega
Claridade magnética suga
Planetas-insetos
À órbita de uma estrela fria

Mar
De seguir viagem, navegar
Vislumbrando continentes impalpáveis
Universo submerso de onde insurge um canto
De sereia aos navegantes, já distantes
Dos faróis do porto
Que perdem se do Norte, em rumo torto
E presos pelo fado do naufrágio, bebem doce morte:
Deixam-se levar azul adentro pela água fria

Por sobre o mar, a luz reflete o azul
Tornando o mar também azul, mera miragem
Por sobre o mar o mesmo céu de cujo ventre
Vi derramar anjos cadentes
Trazendo em si divinas dádivas
Dadas às dádivas da carne
E desse amálgama vi teu corpo despertar

Vivaldo Simão

Paráfrase

Os três mal amados, enfim, perceberam que o amor simboliza a morte do homem. Raimundo tangia o vapor de Maria e João espreitava os amantes de Teresa, enquanto o terceiro mal amado, por não saber mais do amor que agonizava dentro do seu peito, passou a maldizer os amantes, os derradeiros românticos que tomavam sorvete de morango na praça das alianças. E o diálogo era sempre o mesmo: num ranger de ossos, Raimundo dizia que o querer é a morada do ócio. Devorado, João cantava que é tempo de se dividir nos outros. Rejeitado, o terceiro mal amado olhava de lado, fazia pouco caso e para não liquidificar a dor, escapava pela válvula, evasivo, embebia o cálice, pois a pele cálida ganhara gélidos segredos. O tempo é um açoite, findou-se o tempo de amar, agora tudo é carne, prepare seus cutelos e leve suas cabeças ao matadouro, eis a fala da terceira pessoa do singular. Para ele não havia Teresa, nem Maria, apenas flores murchas agonizando no asfalto, e a falta que se proliferava, em reversos virava fera. No peito já velado, o palpitar mórbido, que de todo modo configurava-se em reminiscências sórdidas. Hostil, ele viu que o mundo todo é vil, e a luz da praça das alianças, já mortiça, tornou-se a própria escuridão. As identidades foram comidas, pois no escuro todas as identidades possuem a mesma cara. O vapor de Maria evaporou e virou nuvem, Raimundo fez-se empresário, João descobriu que Teresa era lésbica, e como ela, travestiu-se de outro sexo. Por não encontrar identidade, subversivo, o terceiro mal amado dispersou-se, ocultou o nome na poeira da solidão e foi devorado na pista de dança.

Edilberto Vilanova

À lua

Muita alvacenta, plácida, bonita,
Lúbrica indiferente, cristalina,
A lua entre duas nuvens negras
As faz parecer com uma cortina.

Rogério Freitas

Porto

Quando caírem os dentes
Restará amor no peito
E quando minguarem os sexos
Ainda haverá desejo
De ser extensão do outro
Ainda haverá o beijo

Ói que o rio ligeiro desabou num mar
Tão maior que os continentes que abrigam os rios
O mar é pleno!!!
Já não corre, já não busca
O mar é porto
Posto sobre a terra
Beija o horizonte e a praia
E bebe o azul do céu

Quando vierem as rugas
Quando emergirem os rasgos
Indícios do tempo passado presentes
Não te pintes
Não te espantes
Se eu quiser teu corpo
Como queria antes
E brincar na tua pele sem retoques

E quando o velho peito
Sucumbir de cansaço
Antes de dormir
Façamos um pacto
Seremos sempre um nó
E brincaremos numa brisa
Quando formos pó.

Vivaldo Simão

Ensaio

Não verei mais os cubos de rodas vivas
Desenrolando as tranças de estações e gestos
Verei ainda o aguaceiro das rotas de ilhas,
E fragmentos para fecundar o passo

Não mais verei rosas místicas, nem cáctos.
Dessa esfera ficará o esforço para ser círculo
Verei ainda o desbotamento das árvores
E um ensaio de rastro para alimentar o passo

Deixarei nódoas e mãos esmagadas pelo salto
Uma tarja negra, o silêncio e dedos na parede.
A pele cálida ganhará gélidos segredos.
E de tanto saltar verei apenas o esboço do passo.


Edilberto Vilanova

A formiga e a cigarra

E cantou todo o verão a cigarra,
Por isso viu o inverno de fadiga
Chegar sem nada ter; com a fome esbarra
E vai pedir uma ajuda à formiga.

Mas, esta, da vadiagem inimiga,
Associou sua vizinha à farra;
Negou a ajuda e fez pouco da amiga
Com uma sutil pitada de algazarra;

À cigarra mostrou toda a riqueza
Que ela só construíra com suor
E se exaltava a dizer: - Que beleza!

Mas disse a cigarra longe de otário* -
O fruto da lida só tem valor
Quando o seu dono é um pouco solidário! ·

*Concordância correta é otária.

Rogério Freitas

Baião de três

A palavra farta à mesa posta:
Prato que se serve quente
A dança a língua e o dente
Ao redor da palavra.

O prato feito, self service,
Carne de charque, arroz e feijão,
À mesa farta a língua dança
Bossa nova, rock e baião

Edilberto Vilanova & Vivaldo Simão

Natal branco

As crianças espreitaram a fúria do mundo
E mudas cairam no viaduto
Vingou o fruto pedregulho da sina,
A assassina de luas minguantes,
A nudez da voz, estampidos dentro da noite,
Malabarismo no farol, o olho torpe do consumismo,
O riso ensanguentado e o escárnio.
O segredo dos lábios, o beijo branco
No confronto de cores
De um dia pálido
E entrecortadas, palavras ávidas.
A desesperada réstia de esperança
E apenas um embrulho
Para celebrar a magnitude da vida.

Edilbero Vilanova

Haicai do pescador

Depois da procela,
Vinho bom e peixe frito
E o doce olhar dela.

Rogério Freitas

sábado, 3 de janeiro de 2009

Bucólica a Meeiro

SOLIDÃO

SOL

LIDA

IDA

DÃO

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Rogério Freitas