domingo, 23 de agosto de 2009

Rosa dos ventos

Da noite o imenso véu cobriu o mundo
Findou-se o dia; Para uns temerário
Para outros da agonia o sudário
E tanto caos de amores oriundo

Hoje assim tão raso, ontem tão profundo
Risos alegres, dores do calvario
Caminho bom, péssimo intinerário
Do sagrado ao profano num segundo

A noite pouco a pouco se acentua...
Cobrindo o campo a palidez da lua
Nas ramagens um fremito, um açoite

E a humanidade toda amanhã
Seguirá de novo a rotina vã
Cobriu o mundo o imenso véu da noite.

Rogério Freitas

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Cantiga da menina sem endereço

Quem pintou o amor dessa menina
Com a cor da água?
Quem moldou com o barro da loucura
Sua forma?
Que lhe viu chorar borrando a maquiagem
No espelho?
Quem ouviu quedar a voz
Do seu segredo?

Seu destino, seu degredo
É migrar sem bando
Passarinho extraviado
Preso para sempre ao duro fado
De ser livre

Quem tocou à dança da serpente
No seu ventre?
E quem guardou sob os seus pelos
Seu desejo?
Quem subverteu seus fusos e apetites?
E escoltou sua rota
Na fuga de casa?

E quem traçou em branco
O seu sobrenome?

Vivaldo Simão

Haicai aos teus olhos

Teu olhar retrata
A água, o crepúsculo, a ave.
O verde da mata

Rogério Freitas

A canção do espírito

A canção do espírito
Adormece o corpo como febre
Faz valsa o batimento cardíacos
Entorpece a vida
E derrama gotas de delírio pela terra

Ah!Como soam bem esses novos acordes
Acorde!
Repare nas cores transversais que desabam do céu
E se envenene com mel
Porque ainda há abelhas fecundando flores
E a pedra sempre pó
Traz de pouco a pouco a flor do sono
A eternidade é deserta e o corpo desbota

E como cai bem no desalinhar do corpo
Essas novas roupas
Ah!Como são sinceros nossos garotos
Como são modernas nossas moças
Amanhã ou depois virão outros
E tudo será memória
Em outros corpos os mesmo fantasmas
E a canção do espírito tocará
E vai haver dor e lágrima, mas
No fim, em casas subterrâneas
Ficaram tons neutros e resíduos de vozes
E será só canção para todas as almas atrozes

Edilberto Vilanova

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Ultimas palavras

Sobre o tumulo do velho saxofonista

Um epitáfio:
Aqui Jazz!



Vivaldo Simão

Metafísica

Quando os sapos se encolhem
Os homens coaxam
Montam em seus cavalos metálicos
Remontam suas máquinas
Despertam cheos de fomes, de sedes, vontades
Cavalgam pelo campo, pela cidade
Se embaraçam
Se atropelam
Se despedaçam
Se apaixonam
E se embriagam
Comem, se fartam de cansaço
Rezam, dormem, sonham
Mas os sonhos moram em casas encantadas
Trancadas a sete chaves

É preciso quebrar as portas dos sonhos

Os homens escrevem palavras na água
E na água só sabem ler os peixes, os sapos

Quando os homens se encolhem
Os sapos coaxam

Edilberto Vilanova

O avesso do livro

O avesso do verso
É o tiro
No avesso do livro
O homem consumido
Consumindo o homem
Pelo sangue, pela noite, pela fome
E a mão calejada
E a boca calada
De quem só sabe dizer amém

Vivaldo Simão

Haicai do lavrador

A Eduardo Persa
Mais uma colheita,
O riso banguela, a reza...
A vida está feita
Rogério Freitas

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Banditismo

Há alguém a bater à porta
Será a vida ou será a morte?
Alguém a bater à porta
A vida ou a morte?
À porta
A vida ou a morte
Porta
Vida
Morte
À porta
A vida ou a morte
A vida ou a morte?
Morte

Edilberto Vilanova

Haicai sertanejo

A chuva não cai...
O medo, os filhos, a esposa...
“É o jeito!” E se vai.

Rogério Freitas

O galo

O sertanejo bateu as asas
E foi para São Paulo
Eis que levou consigo um galo
E um cabrito enfeitado
Antes do entardecer
O sertanejo brigava com o diabo
Foi quando Deus apareceu
Num trem hidráulico
E disse: paz para um homem cansado!
Eis que quando o trem passou
O galo cantou
E os homens acordaram para o trabalho
E antes do anoitecer
O galo voltou a cantar
E bateu as asas
E o sertanejo voltou pra casa.

Edilberto Vilanova

Ofício

Por meio deste peço
O verso que não veio
Ao ver a menina sumindo
Com olhos de adeus
Peço o verso pelo encanto
De um par de olhos com pálpebras de chumbo
Ao ver o sol
Com seus dedinhos de menino travesso
Se agarrar à beira da rua
Pra vê-la estendida distraída e nua
Por tudo que foi verde
E belo
E triste
Como aquela noite virando manhã

Vivaldo Simão