sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Grande bem

Veio a morte, mas inda sou contigo;
foste, nos ventos bravos desses mares,
Nada mais, ó meu bem, que o lenho amigo:
A salvação sublime dos pesares.

Bastava teu olhar (eu já o sigo!)
Necessário não era tu falares,
Pois no seu brilho tinha eu paz e abrigo;
Sequer busquei o cristo dos altares.

Quando entrastes no céu, os bons pastores
Indagaram-te o que de bom fizeste
E sobre tua vida e teus valores...

E falastes no imenso azul celeste,
Pra não perder a porta dos louvores
Do grande bem do amor que tu me deste.

Rogério Freitas

Carrocéu

Da aurora ao luar corre em círculos
Cavalos e moinhos endoidecidos
Sobre meninos e lobos: homens adulterados
E corações dissolvidos em óleo diesel
Da aurora ao luar o cavalgar ondulado
E a corrida ressequida dos dias

Inscrições de cimento e vida
Que correm pro céu corre(céu) de carrossel
E de tanto elo, de tanta corrente, de tanto correr
Se despedaçam os risos
E a tez enegrecida da lua
Traz o replicar dos sinos e tudo se divide:
Estampidos e gritos viram detritos de silêncio
E de tanto abraço os braços se enlaçam
De tanta palavra a boca se cala
De tanto cavalgar as patas se partem
De tanto dar-se as mãos os dedos se abrem
E de resto sobra esse hesitar
Ah! Esse hesitar de amigos em conflito
Esse hesitar de amores retrô(cidos)
E dos grilos recolhendo mágoas no telhado
Ah! Esse hesitar de tantos idos
De lágrimas, labirintos e hinos
Esse hesitar a adulterar o itinerário dos meninos
Epitáfio feito ao rebentar da vida
De mármore e morte
De resto sobra esse hesitar
Trancafiado em viés, trocando anéis
E correndo sempre para o mesmo lugar
Correndo pro céu corre(céu) de carrosséis

Edilberto Villanova

Elos

Sons em tons de rosa
Ressaca de novas ondas
Lá fora a chuva corre calma
Enquanto em me retraio
E me expando até onde jaz qualquer possivel limite
Não há mesuras nessa total falta de espaço
Nem relógios que abriguem esse tempo
No delicado espaço entre o que sou e o que sinto
Nenhum sentido
Todo o sentido do mundo
E todos os sentidos são
Holofotes inversos:
Acenam o porto de fora pra dentro
Por um minuto indefinido
Eu, fóssil de um homem perdido na história
Adormeci
E acordei nos braços de um tempo
Em que os limites eram lanços rotos
Na ânsia da quebra
Um parto entre homens que eu era
E homens que de mim virão.

Vivaldo Simão

sábado, 20 de setembro de 2008

Atendo a um pedido de Dora

Não gosto, Dora, de trabalhar o livre.
Não sou minuncioso, mas gosto de cuidado;
Um muro mal construído, alem de inútil,
Não nos chama a atenção e passa a ser
Um amontoado de tijolos sem nenhuma estética.
Ao passo que, um muro bem erguido,
Metro por metro, tijolo por tijolo,
Reboco por reboco, com cores que se combinam,
Passa a ter beleza e utilidade.

Tu, que és divina por natureza,
Me pedindo estes versos sem agrado,
Fi-los, ei-los prontos! Cabe a ti
Dar a eles a pureza de tua graça.


Rogerio Freitas

Notícia

A qualquer hora haverá notícia de vida
A qualquer hora haverá notícia de morte
Quando a aurora desabrochar teu sonho pequeno
Convida-me para ver teu filho,
Convida-me para ver teu norte
Mas antes que seja tarde, sela o teu cavalo
Sai pela porta de entrada e depois de um tempo,
Convida-me para ver tua casa
E quando a aurora desabrochar teu sonho pequeno
Olha teu filho,
Beija teu fantasma,
Beba teu veneno,
Vê que o nosso amor não deu em nada
E tenha cuidado:
Pois
A qualquer hora haverá notícia de vida
A qualquer hora haverá notícia de morte
O que arde debaixo do sol
Desaparece
O que arde debaixo do sol
Permanece


Edilberto Vilanova

Lirismo etílico

Serpenteava asfalto adentro. No meio do caminho havia uma placa. Havia uma placa no meio do caminho. Pendia, onipotente, em letras garrafais: Bar Beira Rio.
Qual improvável encontro! Ele,o viajante etílico. Ela, a placa, pensa, ébria, encharcada de poesia.
Quanto lirísmo numa placa de bar, posta que alí, torta, à beira do asfalto! Reparando bem, digamos assim, com olhos cheios de um lirismo bêbado, ele dava-se conta de que toda auto-estrada é um rio, corrente constante, desaguando aqui e acolá, desfilando deslumbrante aos olhos do dois, ele e a placa: par de ébrios à margem do rio.

Vivaldo Simão

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Depois da chuva

Depois da chuva que caiu...agora
A mata voltou a ficar silente
Somente gotas de orvalho lá fora
Caem dos galhos compassadamente

A água foi pouca, a cascata não chora,
O azul do céu surge de repente
No entanto por pouco tempo nessa hora
O sol já vai sumindo no poente

E vem a noite como um ser ferido
Mui branda, triste, quieta e calada
Porém vem trazendo algo divertido:

No chão parece haver prata jogada
Devido ao luar belo refletido
N'algumas poças d'água pela estrada

Rogerio Freitas

Asa delta

...Subiu a serra

......Para esconder o fado

............De longe se via seu desalinhar,

....................Comprimiu gotas de esquecimento

......................Rompeu com os astros invisíveis da sua mente

.....................Robusto e novamente cego comprou asas, virou deltas,

...................Disperso, decaiu-se sobre o arco, abriu asas e voou.

................Mais valia o último voo do que o navegar

............De náuseas e dias compartidos.

..........Então encontrou o fado

......E desceu a serra.


Edilberto vilanova

Dilema

Ah! Esse 'caoticoração' não sabe o que quer
Renegando o altar que essa mulher
Dispõe ao meu amor
Que o amor de outra mulher
Não quis provar
Fez pouco caso
Olhou de lado
E eu de tão acostumado
Ao fado de amar errado
De a-mar-es amargos dantes navegados
Encarei a tempestade sem saber
Que dessa vez era mais sério
Qual mistério esse: gostar do avesso do amor, a indiferença
E essa outra que me tem tanto zelo
Se despedaça inteira em apêlo
Sobre meu peito: puro gelo pra esse amor
Que estimarei quando não mais tê-lo
For um erro consumado enfim

Vivaldo Simão

Mar Tristonho

Ao longo da praia ando muita vez
E em fúria vejo o mar se debatendo,
Parece assim como eu estar sofrendo
A saudade de um bem que se desfez

Saudade triste ou solidão talvez!
As ondas balbuciam, não entendo...
E vêm aos meus pés quase me prendendo
Mas sem alento morrem outra vez

E quando a noite cai, bela, serenas
As estrelas com todo amparo seu
Vêm livra-lo de suas tristes penas

Dessa mágoa se vai o triste véu.
Calmo e risonho o mar se torna apenas
Um grande espelho refletindo o céu.

Rogério Freitas

Girassol

Nascer: ser um nó
Para girar sóis
E desatinar-se só
Para enfim virar pó

Edilberto Vilanova

Migração

Partir pro Sul:
Difícil parto
Repartir-se do cordão umbilical
Ensaio do voo de pássaro
E o coração materno teso de saudade
Parado na estação
Cria do Norte tem sede de sonho
E o acaso esperando na parada final

Vivaldo Simão

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Fetiche

A poesia não bate à porta
Salta sobre a janela
Contamina a casa

Todo poeta é uma virgem
À espera da poesia
Ela chega num cavalo branco
E toma o poeta pra si
Deflora o poeta

A poesia é sádica
Cospe um não na cara do poeta
E se nega
Enquanto se insinua
De mordaça e chicote
Exulta ante a súplica do poeta

A poesia é o pesadelo do poeta
Irmã da musa de olhos arregalados: insônia
Mas quando vem e se dá
É gozo de alma e carne
É delírio onírico do poeta disperso

Vivaldo Simão

Silêncio

??????????????????????
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
A pergunta que antecede o grito
É o silêncio

Edilberto Vilanova

Riacho

Em tuas margens, casas não se viam
Nem o sol era brando como agora,
Seus raios eram mais fortes e, outrora,
Searas e rebanhos existiam

E as tuas águas de cristal desciam
A espalhar vida, colorindo a flora
E hoje em teu bojo a água impura deflora
Os bosques onde as Ninfas se escondiam

Ah!Mas o viajante que ainda para
E com saudade te olha por prazer
Certamente verá um lindo prado,

Tuas margens sem casa, uma seara,
Um sol mais belo, água pura a descer,
Um vaqueiro e um rebanho do meu gado.


Rogerio Freitas

Haikai Social

Sob o viaduto
Parece haver vaga-lumes
-Mendigos que fumam

Rogério Freitas

Despertador

Ao despertar da dor
A exatidão do tempo rompe o silêncio
Em rascunhos e fagulhas.

De novo o alvorecer do sonho retirante a abrir feridas
O corpo se desfibra e arde novamente
O sol, condenado a nascer, recorta as vísceras
E espalha pelos escombros de qualquer mercado
Flores e lástimas cobertas de vítimas.

Não mais vozes do silêncio
Agora mapas do acaso
Não mais amores vãos
Agora resquícios de orgasmos
nada mais escuro
Agora louvores
Cores e atores

Abram as cortinas para o teatro corrosivo do dia
Pois repleto de dramas
Recomeça mais um grande ato
amargo e mágico de víveres.

Edilberto Villanova

Chuva

Findou se o retirar dos retirantes
No vento a cantilena retumbante
Clarão no céu da pátria neste instante
E lá, na negra nuvem-nave adiante
Regalo raro para um povo errante

E brota o riso frouxo, a reza grata
O verso a anunciar contentamento
E baila a folha verde ao som do vento
E a dança do inverno adentra a mata

A nuvem conta-gotas pinga água
E, paulatinamente, a chuva desce
E a poça progressivamente cresce
Um sapo sorrateiro à poça salta
E solta um som aberto peito afora
E o velho diz que a chuva é o céu que chora

Agora,
O fim do estio afinal
Lá fora corre um rio vertical

Vivaldo Simão

Horas Verdes

Agora meu peito é um rádio:
Pulsa ondas de baixa frequência
Fragmentada(mente) lateja minha consciência
As palavras se interrompem em paredes imaginárias
Errantes, resvalam entre valas, declives
E tudo que há pela sala
São fantasmas invisíveis

Entre zonas de eras eternas
Eu tenho a cor da água
Eu corro em câmera lenta
Desencarnado, suponho um purgatório
Reconheço o infinito no espaço físico
Esvaeço no abstrato desse rio químico
Cuja fonte emana menta
N’algum canto em minha mente

Agora, ao som da música em câmera lenta
Cada cena do cinema surreal
Em teatro, em som, em sombra, em cor
Em alma, como um Almodovar
Termina e recomeça sem um elo exato
Tenho asas no sapatos
Tenho um fardo na cabeça
E aos olhos da menina que me miram, luas cheias, posso ser um Deus
Ou posso ser o avesso
Recolhendo culpas num saco de lixo

Vivaldo Simão

CO2

Os automóveis
Movem
A morte!

Edilberto Vilanova

Retorno à cidadezinha

Vendo... ali está linda e perfeita,
Presa nas profundezas da cratera;
Simples e humilde sempre. Ó terra, aceita
Este filho que em vão buscou quimera.

Entrando... talvez guardes-me rancor,
Apesar dessa grande humildade:
Do teu seio troquei este calor
Por ilusões, só conheci saudade.

Chegando... em minha rua sons de Agosto
São cantados por folhas, pela brisa;
Com elas também vai o meu desgosto.

Rio, vejo um olhar: o de Adorisa
Amor de uma infância de tanto gosto!...
Roçando o chão cicia em prece a brisa.

Rogerio Freitas

Gêneses

A partir de hoje, neste espaço, a mistura de três poetas, três cabeças, três estilos fundidos numa palavra chamada poesia. Edilberto Vilanova, Rogerio Freitas e Vivaldo Simão: O Baião de Três.
Sejam bem vindos e bom apetite!

Baião de Três