quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Retrato de um poeta bissexto

traço minha rota torta
feito a linha que comporta
a letra de um deus
bisexto de verso e aniversário
prematuro, libertário
poeta e ateu
ora bato a asa
ora bato à porta
minha carne mal suporta
esse anseio meu
nessa ânsia que me cabe
de abarcar o mundo
antes que mundo me abarque
e se acabe
antes que mundo me abarque
e acabe
embalando-me em meu próprio berço
embolando-me em meu próprio passo
recolhendo-me no vasto universo meu

Vivaldo Simão

Maravilha de sal

o mar é maravilha
maré cheia de acalanto
é água benta de quebrar quebranto
canto bom que entoa a voz do vento
quando transborda e nos encharca
de brisa e maresia
e outras alegrias
carentes do cais
que lhes somos nós
o mar é esconderijo turvo
de benções e perigos
pois ai de nós
se o mar nos traga,
mas se o mar nos trás
ruminadas coisas de sal
que sejam o nosso sustento
ou alguma brisa que nos beije
que nos seja alento
num ocaso qualquer
o mar será maravilha
maré cheia de tudo que brilha
longe dos olhos de quem vive
aquém da barra da saia do mar


Vivaldo Simão

Estatística

todos fazem parte dela
o gari, o pedreiro, o carpinteiro
o vigia...
menos seu Zé
homem do sertão, solitário,
que mora em uma choupana
desconhecida pelo IBGE

ele labuta arduamente
pra comer, pra beber, pra se vestir
e tudo com honestidade
é uma pepita de ouro
em meio a um deserto

ele canta
entoa suas canções alta noite
conte (olha) estrelas e sonha
cada um aprende a ser feliz
lá à sua maneira
como também aprende a não culpar
os outros pelas suas tristezas

e seu Zé é assim
contente com seu destino
não sabe ao menos
quem é o presidente
e não faz mal
o presidente também
não sabe quem é ele

Rogério Freitas

Namoro de astros

A gravidade do amor
paira sob o lençol celestial
duas luminárias seculares
velam as noites
Um cavaleiro cavalga na pele crua da lua
no seu cavalo branco
de espada em punho
São Jorge, devorador de dragões
Vestido de luz
nosso romance flutua:
você Vênus
baila entre as galáxias, nua
Iluminados pelo sol
seguimos lado a lado
passeando pelas eras
você Dalva, eu lua

Edilberto Vilanova

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Reza velha

Nosso amor
desprotegido pelos santos
sem colar benzido no pescoço
quebrou o encanto
e não tem reza
que cure esse quebranto

Edilberto Vilanova

Lívre arbítrio

misterioso é o ser e não transmuta
sempre irial ou sempre iracundo
carrega dentro de si, no "eu" profundo
essa carga imutável e absoluta

e sua vontade é dissoluta!
mas as escolhas perante este mundo
sequer o distanciam um segundo
da inexorável e real conduta

sempre aprisionado a seus anseios
o homem, não importa quais os meios
busca seus sonhos como em labirinto

e o ser, que se acredita ter mudado
apenas teve seu sonho saciado
ou conteve à força seu instinto

Rogério Freitas

A sua presença moça

a sua presença moça
interna em mim
é coisa que não se cansa
não cessa
feito a volta das horas em torno dos dias
e como o mar a ruminar o sal
e o céu aos sóis e luas
assim sucede essa presença sua
que tanto translada quanto rota
em volta do amor que mora
em mim

e ainda que longe você mesma
esteja
da moça que vejo
quando olho a criatura
inquilina do meu desejo
que uma vez tendo em mim
abrigo interno
nunca dei despejo
vejo moça ainda
e quanto mais ausente, moça
mais sua presença
nunca finda


Vivaldo Simão