quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Paráfrase

Os três mal amados, enfim, perceberam que o amor simboliza a morte do homem. Raimundo tangia o vapor de Maria e João espreitava os amantes de Teresa, enquanto o terceiro mal amado, por não saber mais do amor que agonizava dentro do seu peito, passou a maldizer os amantes, os derradeiros românticos que tomavam sorvete de morango na praça das alianças. E o diálogo era sempre o mesmo: num ranger de ossos, Raimundo dizia que o querer é a morada do ócio. Devorado, João cantava que é tempo de se dividir nos outros. Rejeitado, o terceiro mal amado olhava de lado, fazia pouco caso e para não liquidificar a dor, escapava pela válvula, evasivo, embebia o cálice, pois a pele cálida ganhara gélidos segredos. O tempo é um açoite, findou-se o tempo de amar, agora tudo é carne, prepare seus cutelos e leve suas cabeças ao matadouro, eis a fala da terceira pessoa do singular. Para ele não havia Teresa, nem Maria, apenas flores murchas agonizando no asfalto, e a falta que se proliferava, em reversos virava fera. No peito já velado, o palpitar mórbido, que de todo modo configurava-se em reminiscências sórdidas. Hostil, ele viu que o mundo todo é vil, e a luz da praça das alianças, já mortiça, tornou-se a própria escuridão. As identidades foram comidas, pois no escuro todas as identidades possuem a mesma cara. O vapor de Maria evaporou e virou nuvem, Raimundo fez-se empresário, João descobriu que Teresa era lésbica, e como ela, travestiu-se de outro sexo. Por não encontrar identidade, subversivo, o terceiro mal amado dispersou-se, ocultou o nome na poeira da solidão e foi devorado na pista de dança.

Edilberto Vilanova

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